Todos os anos, no mundo, a indústria da moda produz, aproximadamente, 150 bilhões de peças. Deste total, entre 15 e 45 bilhões de peças de vestuário não são vendidas ou utilizadas, acabando em aterros sanitários ou sendo incineradas, e apenas uma pequena fração dessa produção é descartada ou reciclada. O impacto ambiental gerado por esse desperdício equivale a cerca de 500 milhões de voos por ano. O dado está na pesquisa “Tendências e desafios no setor de varejo de moda”, realizada pela ADVISIA OC&C Strategy Consultants.
“Na cadeia de produção de uma peça, que começa na escolha do material até a embalagem do produto, podemos contabilizar inúmeros desperdícios, como sobras de tecido ou plásticos para embalagem. De uma maneira geral, para criação de peças, 25% de tudo que a indústria de moda produz vira lixo, sem contar o que é totalmente descartado e não é reaproveitado”, explica Raquel Rodrigues, especialista em Estratégias de ESG.
Para a estrategista, o alto desperdício no setor da moda se deve, principalmente, à produção em larga escala, que não é, completamente, absorvida pelo consumidor. O fast fashion também tem sua parcela de culpa. O conceito foi criado nos anos 90 pela indústria da moda, a fim de atender aos anseios de uma clientela impaciente e conectada, com o lançamento de várias coleções em curto espaço de tempo. O segmento aproveitou a economia em expansão para impulsionar o consumo e estabelecer o fast fashion como tendência de mercado.
Atualmente, ainda existe outro fenômeno: o ultra fast fashion. A marca Shein é um exemplo de empreendimento que usa e abusa da estratégia. O marketplace chinês aproveitou o período da pandemia para conquistar o público jovem com preços baixos, entregas rápidas e atualidades, especialmente impulsionadas e divulgadas por influenciadores. A marca é tão agressiva na produção de novidades que por dia fabrica cerca de 10 mil novos produtos.
Suas roupas com pouca qualidade e preço baixo ganharam os consumidores da geração Z. Contudo, a baixa qualidade compromete a durabilidade das indumentárias, poluindo o meio ambiente. Segundo reportagem da revista Forbes, as roupas de marcas ultra fast fashion são usadas, em geral, cinco vezes e são descartadas, gerando 400% mais emissões de carbono do que roupas de marcas slow fashion, que são usadas ao menos 50 vezes.
“O processo de produção de peças baratas frequentemente envolve o uso de corantes tóxicos, demandando grandes volumes de água. A produção de peças de algodão, por exemplo, consome quantidades significativas de água, exacerbando a escassez desse recurso vital”, exemplifica Raquel Rodrigues.
As fast fashion também utilizam poliéster — derivado de combustíveis fósseis –, que libera micro plásticos durante a lavagem, contribuindo para a poluição de rios. Além disso, com o intuito de reduzir custos, muitas fábricas na Ásia recorrem ao carvão e ao gás, intensificando as emissões de carbono. Há ainda o crescimento das compras online e, consequentemente, do transporte de mercadorias, que implica no aumento das emissões de gases de efeito estufa.
“Vale mencionar que o desperdício também pode afetar a resiliência da cadeia de suprimentos da moda. Durante eventos climáticos extremos, interrupções na produção e distribuição podem ocorrer. Uma abordagem mais sustentável pode contribuir para uma cadeia de suprimentos mais adaptável e resistente”, destaca a especialista em Estratégias de ESG.
E o que o fast fashion tem a ver com o aquecimento global?
De acordo com o estudo da ADVISIA, a produção excessiva e o desperdício de produtos na indústria da moda contribuem para a degradação ambiental. Isso porque o descarte inadequado de resíduos têxteis pode poluir solos e corpos d’água, afetando ecossistemas locais. Em um momento, no qual o planeta passa por um período de aquecimento e condições climáticas extremas, com recursos naturais sob pressão, torna-se crucial o uso eficiente desses recursos e a redução da emissão dos gases de efeito estufa.
“A cadeia de produção da indústria da moda torna-se corresponsável pelo agravamento do efeito estufa e a influência do El Niño. Portanto, a redução do desperdício não apenas preserva recursos naturais, mas também contribui para a resiliência ambiental e econômica, diante das mudanças climáticas, um objetivo crucial em tempos de aquecimento global”, lembra a especialista em ESG.
Entenda o El Niño
Para entender o El Niño, é preciso compreender a interação do oceano com atmosfera no Pacífico Equatorial. Em condições normais, os ventos alísios carregam a água que foi aquecida pelo sol em direção ao oeste, onde a água se evapora e ocorre as chuvas. Nesse meio-tempo, as águas frias do fundo vão para superfície.
O fenômeno El Niño acontece quando esse ciclo se altera e a água quente é deslocada para América do Sul e há uma baixa elevação da água fria. No Brasil, essa alteração na interação do oceano com a atmosfera aumenta o calor. Foi o que ocorreu recentemente em todo o país. No Rio de Janeiro, a temperatura chegou a 50°C; e no Rio Grande do Sul, houve chuvas intensas. Já no Norte e Nordeste a seca piorou e mais queimadas foram registradas.
Setor da moda mais sustentável
1. Aposte na reciclagem
A reciclagem é o principal mecanismo para reduzir o impacto ambiental do setor da moda. Raquel Rodrigues listou três tipos que podem beneficiar a produção têxtil:
Reciclagem química: tratamento químico que altera, a nível molecular, as fibras têxteis para criação de fibras recicladas. É uma técnica muito utilizada nos Estados Unidos para produzir polímeros de PET, a partir de resíduos têxteis mesclados, que podem ser transformados em fios de poliéster.
Reciclagem mecânica: usa máquinas para transformar os resíduos em fios com qualidade inferior, também chamado de downcycling. Empresas podem transformar tecidos descartados em produtos de cuidado pessoal e até mesmo médico.
Reciclagem biológica: Aplicação de bioprocessadores que transformam o poliéster em fios reutilizáveis. O resíduo resultante do processo também pode ser transformado em glicose solúvel.
2. Lojas verdesPequenos varejistas e comerciantes desempenham um papel crucial na redução de desperdícios de roupas e materiais, podendo adotar práticas específicas para contribuir com a sustentabilidade, como:
Manter um estoque consciente, evitando excessos e obsolescência e apostando na durabilidade e atemporalidade dos produtos;
Curadoria cuidadosa de itens, focando na qualidade;
Promoção de marcas e iniciativas sustentáveis, educando os consumidores a fazer escolhas conscientes.
“Ao abraçar essas práticas, os pequenos varejistas não apenas contribuem para a redução de desperdícios, mas também fortalecem suas conexões com a comunidade, promovem a economia local e atendem às crescentes demandas por práticas comerciais sustentáveis”, diz Raquel Rodrigues.
3. Tecnologias podem te ajudar
Segundo a ADVISIA OC&C, a diminuição de desperdícios de materiais tem se concretizado, no mercado, a partir da adoção de novas tecnologias. “As empresas de moda estão investindo em recursos significativos para modernizar suas camadas operacionais, abrangendo todas as etapas, desde a produção até as vendas. Isso é alcançado através da utilização de ferramentas de previsão de demanda, técnicas de otimização de inventário, aprimoramentos logísticos, métodos para reforçar a experiência do cliente, dentre outras aplicações. Isso contribui para o aumento da eficiência dos negócios, ao mesmo tempo em que reduz desperdícios”, registrou a equipe da consultoria em relatório.
4. Economia circular
São as famosas “peças de segunda-mão”. Empresas que buscam fluxos de produção circulares — ou seja, focados na reutilização, restauração, renovação e reciclagem — conseguem reduzir drasticamente os impactos do desperdício de materiais, minimizando a quantidade de resíduos destinados aos aterros e o escoamento de micro plásticos para as águas.
5. Fabricação com materiais sustentáveis
Há um aumento no uso de materiais sustentáveis, como algodão orgânico, fibras recicladas e alternativas ao couro produzidas de forma sustentável. Várias empresas estão optando por esses materiais, como a C&A. A marca investiu nessa tendência e possui uma linha de produtos chamada “C&A Eco”, feita com materiais sustentáveis, como algodão colhido em fazendas certificadas. Já a brasileira Insecta produz calçados veganos e unissex, utilizando como matéria-prima borracha reciclada e sobra de tecido.
6. Programas de reciclagem e coleta
As lojas de varejo também podem implementar programas de reciclagem e coleta de roupas usadas, alternativa responsável para o descarte de itens antigos. A iniciativa também destaca o negócio na comunidade e estreita laços com os consumidores.
7. Juntos somos mais fortes
Estabelecer parcerias locais, colaborar com fornecedores regionais e oferecer serviços de reparo e customização são maneiras de reduzir a pegada ambiental.
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